Porque o vírus Zika foi identificado em humanos nos anos 50 mas só agora virou epidemia?

04 de abril de 2016

Descoberto em humanos pela primeira vez em Uganda, na África, em 1952, o vírus zika se espalhou pela Ásia e pelo Pacífico até chegar às Américas. O primeiro caso registrado no continente foi na ilha de Páscoa, no Chile, em 2007, mas a maior epidemia já registrada ocorre atualmente no Brasil.

Apesar de existir há mais de meio século, por que somente agora o zika espalhou-se de forma ampla?

Especialistas ouvidos pela BBC Brasil apontam um alinhamento de fatores que permitiram a popularização do vírus a níveis “alarmantes”, com casos reportados em mais de 24 países nas Américas, como definiu a diretora-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Margaret Chan.

Estimativas da organização apontam que haverá entre 3 e 4 milhões de casos de zika somente no continente durante este ano. Desses, de 500 mil a 1,5 milhão ocorrerão no Brasil.

“Há diversas determinantes para isso”, explica Antoine Flahault, diretor do Instituto de Saúde Global da Universidade de Genebra. A popularização das viagens internacionais é um dos motivos. “O aumento dos deslocamentos com aviões ajuda na disseminação do vírus. É muito fácil exportar casos de zika, dengue e chikungunya”.

Outro aspecto é a popularidade do vetor. “Há ampla presença do mosquito. O Aedes aegypti está praticamente em todos os lugares do mundo e é muito difícil erradicar esse mosquito”, continua Flahaut.

Segundo ele, em contraste com o mosquito transmissor da malária, Anopheles, o Aedes aegypti se adapta muito bem ao meio urbano e isso contribui para inflar ainda mais a epidemia.

Criança com microcefalia em hospital do Recife 

Em países onde houve desenvolvimento econômico levando comunidades a migrar do campo para a cidade foi registrada uma diminuição nos casos de malária. Mas o mesmo fenômeno não se aplica à zika, justamente pela alta adaptabilidade do mosquito, explicou à BBC Brasil.

O aquecimento global também poderia estar contribuindo para a propagação do vírus. “Já foi comprovado por climatologistas o impacto (das mudanças climáticas) no surto de chikungunya no Oceano Índico em 2005 e eu suponho que, embora ainda não comprovado, isso também se aplique ao zika”, disse Flahault.

 

Mudanças

O diretor do departamento de vigilância e resposta do ECDC, Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças, órgão da União Europeia responsável por questões de saúde, Denis Coulombier, aponta que a maior circulação de pessoas não é a única justificativa para o dramático aumento dos casos.

“Sim, há um aumento nas viagens, mas você não pode excluir que houve uma mudança no vírus, o que ocorreu ao longo do tempo. Houve também uma mudança no mosquito. Sabemos que as populações de mosquitos mudam com o tempo, se adaptam. Isso é claramente multifatorial”, aponta Coulombier.

Ele diz acreditar que as mutações sofridas pelos organismos envolvidos no ciclo da doença – o vírus e o vetor – contribuíram decisivamente para a propagação atingir o “ponto limiar”.

“É um efeito de ponto limiar. Por muitos anos houve pequenos surtos que não resultaram em uma grande fogueira, mas de repente um caso irá mais adiante e resultará em um grande incêndio, que é a epidemia”, continua.

Para Coulombier, a América Latina é especialmente suscetível por não ter sido anteriormente exposta ao vírus. Segundo ele, as populações não possuem anticorpos de resistência à doença.

“Sabemos que nesses casos a primeira onda de infecções é a que registra maior número de casos, porque o vírus está chegando a uma população completamente virgem”.

 

Alarmante

Em declaração no plenário do encontro executivo da OMS, a diretora-geral da organização, Margaret Chan, reforçou que o vírus mudou rapidamente de perfil, passando de uma “ameaça moderada” para uma de “proporções alarmantes”.

Alguns aspectos que preocupam a comunidade internacional são justamente os pontos levantados por Flahault e Coulombier: a dispersão internacional do vírus e a falta de imunidade na população.

Margaret Chan ainda destacou o fenômeno climático El Niño como catalisador da popularização do mosquito.

Esses e outros pontos de preocupação internacional serão abordados numa reunião emergencial convocada para a próxima segunda-feira.

Também estarão na pauta do encontro a associação – ainda não completamente desvendada – entre o vírus e a má-formação de bebês, a ausência de vacina e de diagnóstico imediato e a busca de um alinhamento a respeito de eventuais alertas internacionais emitidos a viajantes.

Fonte: Portal G1

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