Após a presidente Dilma Rousseff sancionar a lei que libera o uso da fosfoetanolamina, conhecida como “pílula do câncer”, o Ministério da Saúde informou na última quinta-feira (14) que irá sugerir critérios específicos para a produção, distribuição e o uso dos produtos.
Segundo a pasta, a ideia é que a prescrição médica ocorra em talonário numerado, o que tornaria possível o rastreamento dos pacientes, assim como ocorre para uso de medicamentos de uso controlado. Nas receitas, também deve constar justificativa para o uso.
Pacientes também devem assinar um termo de responsabilidade, o qual deverá especificar que o uso da substância “não substitui as terapias convencionais”.
No documento assinado, o paciente também se comprometerá a realizar exames periódicos e assume os riscos de eventuais efeitos colaterais. A medida ocorre porque a substância, embora tenha sido desenvolvida há 20 anos no Brasil, nunca passou por estudos que poderiam comprovar sua segurança e eficácia.
Ainda segundo o Ministério da Saúde, outra iniciativa em discussão é que estabelecimentos fornecedores do produto mantenham balanços com a movimentação da substância. Pela lei, todos os locais deverão ser licenciados e submetidos à aprovação dos órgãos sanitários.
As medidas ocorrem após a presidente, em meio à forte pressão do Congresso, sancionar a liberação da fosfoetanolamina, mesmo após receber recomendação contrária do Ministério da Saúde.
Diante da medida, o governo planeja agora formar um novo comitê com especialistas e representantes de diversos órgãos para discutir a regulamentação do tema e acompanhar os resultados das pesquisas. Segundo a pasta, o plano poderá estimular, ainda, o desenvolvimento da monoetanolamina e outras substâncias encontradas na pílula, caso sejam eficazes no tratamento do câncer.
O ministério lembra ainda que a pílula não está disponível no SUS –o que só poderia ocorrer caso houvesse comprovação de segurança e eficácia.
RISCOS À SAÚDE
Diferentes entidades da área da saúde manifestaram preocupação nesta quinta-feira (14) com a liberação da fosfoetanolamina e alegam que a medida deve trazer sérios riscos à saúde da população.
“Quem assegurará ao consumidor que a substância que está adquirindo não é uma inescrupulosa falsificação? Quem garantirá que a quantidade da substância informada na embalagem é efetivamente a que existe no interior de cada cápsula? Como ter certeza que no interior de cada cápsula existe apenas a fosfoetanolamina, e não outras substâncias que poderão ser ingeridas sem que o consumidor saiba de sua existência?”, questiona a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), em nota.
Segundo a agência, o projeto transforma em “medicamento” autorizado uma substância que não passou pelas etapas de estudo necessárias para isso.
A Anvisa diz ainda que a autorização para o uso do produto antes da conclusão dos estudos clínicos “abre perigoso precedente” e “afronta o sistema regulatório em vigor, que foi estabelecido pelo próprio Congresso Nacional”.
Posição semelhante tem representantes da indústria farmacêutica. Para Nelson Mussolini, presidente-executivo do Sindusfarma, a iniciativa por liberar o uso da substância foi uma medida “extremamente populista e sem base científica”.
“Esse produto não tem prova de eficácia, muito menos de segurança. Se bem não faz, pode fazer muito mal”, afirma ele, que cita o risco de pacientes pararem o tratamento com a quimioterapia. Ele também crê que os relatos positivos da fosfoetanolamina sejam apenas placebo.
De acordo com Mussolini, a alegação, por parte de defensores da substância, de supostos interesses da indústria farmacêutica em tentar ocultar a substância por seu baixo custo “não tem nenhuma lógica”.
“A indústria que conseguisse descobrir uma pílula tão milagrosa como dizem que é essa seria referência mundial”, afirma, citando como exemplo as primeiras empresas a desenvolverem o coquetel contra a Aids ou tratamento de leucemia, hoje referências no setor.
Diretor da Interfarma, Octávio Nunes classificou a medida como um “desrespeito ao paciente brasileiro, à ética e um desafio às autoridades brasileiras”.
Para ele, o país vive um descompasso, com demora na aprovação e incorporação de medicamentos de eficácia comprovada e liberação “a toque de caixa” de uma substância sem estudos concluídos.
“Supondo que daqui a três anos não se tenha essa comprovação, o que vão dizer ao paciente brasileiro? Desculpas, não é nada disso?”, questiona.
“NÃO” À PRESCRIÇÃO
Em nota, o CFM (Conselho Federal de Medicina) diz não recomendar aos médicos que prescrevam a substância até que as pesquisas clínicas, capazes de comprovar segurança e eficácia, sejam concluídas.
A recomendação do conselho é endossada pela AMB (Associação Médica Brasileira), para quem a aprovação da lei foi “imprudente” e coloca em risco a saúde dos pacientes com câncer.
Fonte: Folha de S.Paulo / Site (NATÁLIA CANCIAN)