Prezados colegas farmacêuticos,
Uma reunião realizada, na sexta-feira (22.08.14), entre o Ministro da Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República, Guilherme Afif Domingos, e representantes da ABCFarma (Associação Brasileira de Comércio Farmacêutico), deu o tom da forma como o Governo vem tratando a questão da assistência farmacêutica nas pequenas farmácias. O tema da reunião foi a Medida Provisória 653, de 11 de agosto de 2014, que desfigurou a Lei Nº 13.021/14. A norma muda o conceito de farmácia, no Brasil, vez que a obriga a assumir aquilo que é de sua própria natureza sanitária, ou seja, ela se transforma em unidade de prestação de assistência farmacêutica, assistência à saúde e orientação sanitária individual e coletiva, e assegura a atuação do farmacêutico nos estabelecimentos.
Afif Domingos, que foi homenageado pela ABCFarma, ganhou dos dirigentes dessa entidade os mais calorosos elogios pela “sensibilidade e eficiência para com o segmento (das micro e pequenas empresas), em especial as pequenas farmácias que se dedicam ao comércio farmacêutico”, disseram os integrantes da ABCFarma. Eles acrescentaram, na homenagem ao Ministro da Micro e Pequena Empresa que, graças à MP 653, as pequenas farmácias poderão “continuar vivas no mercado”, vez que poderão funcionar sem a presença do farmacêutico e, sim, tendo à frente do estabelecimento o prático de farmácia ou outro leigo.
As argumentações feitas por Afif Domingos à Presidenta Dilma Rousseff (elas mereceram discursos de aprovação e louvor de dirigentes da ABCFarma), e que resultaram nos vetos à Lei Nº 13.021/14, não são outra coisa se não uma manifestação equivocada e perigosa da busca desmedida pela desregulamentação do setor farmacêutico. E ela acontece exatamente na assistência farmacêutica, o coração que pulsa na questão da saúde que deve prevalecer dentro das farmácias.
Ora, argumentar, como fizeram dirigentes da entidade que representa o comércio farmacêutico, que os vetos à Lei Nº 13.021/14 (os que desobrigam as pequenas farmácias de manterem presente o farmacêutico) farão com que as pequenas farmácias “poderão continuar vivas no mercado” é uma afronta ao bom senso e à Câmara dos Deputados e ao Senado, além de puxar para trás todos os avanços conquistados no setor de saúde em que pesem os valorosos serviços prestados pelos farmacêuticos.
Então, as farmácias sem farmacêuticos devem continuar vivas, enquanto os pacientes devem permanecer expostos a todo tipo de riscos, inclusive de morte, por causa de sua falta de acesso à assistência prestada pelos farmacêuticos? Os vetos propostos por Afif Domingos e comemorados pela ABCFarma rasgam a Lei Nº 13.021/14, aprovada por unanimidade no Senado Federal.
A Lei é fruto de um amplo acordo firmado entre as instituições que representam os farmacêuticos (CFF, Fenafar, Feifar, ABEF e Enefar) e o comércio (a própria ABCFarma e a Abrafarma). O acordo foi sacramentado, na Câmara e Senado, junto com parlamentares de todos os partidos políticos.
É, no mínimo, estranho que o Presidente da ABCFarma, Pedro Zidoi, após sentar-se à mesa para a construção de um entendimento, inclusive com a participação de deputados e senadores, publique notas e festeje os vetos à Lei que ele próprio ajudara a ser aprovada. A Lei Nº 13.021/14 constitui um marco legal para a saúde, no que diz respeito à assistência farmacêutica. Tão aguardada pela sociedade, esta lei exprime a evolução nas relações entre as farmácias e a população, marcada, hoje, pelo interesse financeiro e não pelas questões de saúde.
Aliás, Pedro Zidoi já havia emitido uma Nota em que diz que “o Substitutivo foi aprovado, graças ao trabalho insano de profissionais que não estão no dia-a-dia nos estabelecimentos – farmácias e drogarias”. Ora, ele assinou o acordo. Então, ele próprio participou da “insanidade”.
Em verdade, as palavras do dirigente da ABCFarma são um feixe de equívocos. Ele condena, na Nota, o acordo que gerou a lei que obriga as farmácias a manterem o farmacêutico presente, justificando que, em alguns lugares mais distantes do País, leigos devem assumir a responsabilidade técnica dos estabelecimentos. Ora! Então, nas localidades onde não há dentistas e médicos, leigos devem reivindicar o direito de fazer tratamentos de canal e extrair dentes; de consultar e realizar cirurgias? Ou devemos assumir um pensamento mais evoluído e defender o exercício pleno de profissionais, como dentistas, médicos e farmacêuticos, garantindo o acesso irrestrito da população aos seus serviços?
O Sr. Pedro Zidoi tirou as suas palavras do capitalismo mais selvagem e ultrapassado, onde não cabem a venda e o uso de medicamentos acompanhados dos serviços farmacêuticos, como a orientação e a prescrição. A cantilena do Sr. Pedro Zidoi deve ter influenciado, de alguma forma, o posicionamento do Ministro Afif Domingos.
Deixar os brasileiros de cidades pequenas e distantes dos grandes centros à míngua do acesso aos serviços farmacêuticos é expô-los irresponsavelmente a uma situação de risco. Vivemos num tempo e numa sociedade cuja palavra de ordem é a inclusão. A população brasileira quer INCLUIR o seu acesso à assistência farmacêutica como um direito sagrado.
Walter Jorge João
Presidente do Conselho Federal de Farmácia – CFF