Ao buscar na história informações sobre as primeiras farmácias e farmacêuticos, o que se encontra são relatos que remetem às boticas, surgidas no século 10 na França e Espanha, período em que farmácia e medicina eram uma coisa só. Aliás, as boticas foram modelos de negócio que deram início ao formato das farmácias como conhecemos hoje. Segundo informações do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP), os árabes fundaram, no século 2, a primeira escola de farmácia de que se tem notícia, criando inclusive uma legislação para o exercício da profissão.
No Brasil, o boticário surgiu no período colonial, quando medicamentos e outros produtos com fins terapêuticos podiam ser comprados nas boticas. “Inicialmente é importante lembrar que o farmacêutico no Brasil, desde a chegada da corte imperial de D. João VI, exerce o mesmo papel de sempre, ser um profissional do medicamento e voltado para a prática da saúde de qualquer população. Após a Segunda Guerra Mundial, o País se industrializou e o papel do farmacêutico, antes como boticário, passou a ser exercido em novas indústrias farmacêuticas, as quais passaram à industrialização do medicamento. Então esse profissional passou a ter formação no âmbito da produção de medicamentos em grande escala e, principalmente, na pesquisa de desenvolvimento de novos fármacos e de novas formulações advindas de tecnologias que foram avançando a cada década desde então”, explica o diretor da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professor Gerson Antônio Pianetti.
Segundo Pianetti, hoje se vê o farmacêutico como o mais importante profissional na cadeia médica por ser o responsável pela dispensação do medicamento e orientação do paciente. “Apesar de continuar a manipular os medicamentos sob prescrição, o farmacêutico é a última instância entre o medicamento e o paciente, e uma orientação inadequada ou a falta dela poderá trazer enorme prejuízo sanitário ao cidadão devido à utilização inadequada do medicamento”, completa.
O professor ainda ressalta que um dos maiores desafios dessa classe de profissional é fazer com que a sociedade o reconheça e sinta a sua importância. “Quando se pergunta ao cidadão comum qual o papel do farmacêutico, ele certamente diz que é o de entregar um `medicamento`. Essa cultura está cada vez mais sendo deixada para trás após grande parte de a sociedade ter conseguido enxergar no farmacêutico o profissional de saúde mais próximo de si”, avalia.
CONHECIMENTO ESPECÍFICO
Entre todos os profissionais de saúde, o farmacêutico é aquele que possui a excelência do conhecimento sobre todos os aspectos que envolvem o medicamento e também o profissional mais acessível à população.
“Se levarmos em consideração que o Brasil é o país em que a população mais se automedica no mundo e que a principal causa de internação no Sistema Único de Saúde (SUS) por intoxicação é o medicamento, podemos facilmente mensurar a importância desse profissional no cuidado à saúde da população, desde a prevenção, proteção, até a sua total recuperação”, comenta o presidente do Conselho Regional de Farmácia do Rio de Janeiro (CRF-RJ), Marcus Athila.
Para ele, por meio da orientação farmacêutica, esse profissional pode atuar desde uma simples orientação acerca do cumprimento da farmacoterapia prescrita, os possíveis efeitos adversos, interações medicamentos e, até mesmo, sobre a importância da adesão ao tratamento. “Pode também, o profissional farmacêutico, após criteriosa avaliação, prescrever terapias farmacológicas e não farmacológicas, conforme determina a Resolução 586 do Conselho Federal de Farmácia (CFF)”, diz.
A palavra orientação é uma das que mais definem boa parte do trabalho do farmacêutico em seu dia a dia. Para o diretor executivo da Associação Brasileira de Distribuição e Logística de Produtos Farmacêuticos (Abradilan), Geraldo Monteiro, o trabalho do farmacêutico se complementa ao do médico.
“É o farmacêutico quem vai orientar o paciente em relação à administração do medicamento, aos riscos, às interações medicamentosas, entre outros. Tudo com o objetivo de melhorar a saúde do indivíduo. A questão da falta de adesão ao tratamento de doenças crônicas é cultural no Brasil, falta uma educação de base nesse sentido e o farmacêutico tem muito a contribuir com essa conscientização”, comenta Monteiro.
ADESÃO AO TRATAMENTO
Pacientes portadores de doenças crônicas demandam atenção mais do que especial, principalmente no que diz respeito ao entendimento da patologia, da ação dos medicamentos, a possíveis interações com outros medicamentos, reações adversas e efeitos colaterais e, fundamentalmente, sobre a importância da adesão e não interrupção do tratamento sem consentimento médico. Tudo isso pode ser realizado dentro da farmácia, pelo farmacêutico.
Cada dia mais esse profissional assume o papel de agente promotor da saúde, contribuindo para maior conscientização e educação dos pacientes sobre suas doenças. Segundo dados da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), o abandono do tratamento do colesterol cresceu 240% nos últimos 18 meses no Brasil. Em média, 58% da população não adere aos tratamentos contra doenças gástricas e 50% faz o mesmo quando o assunto é o diabetes.
Para Athila, a adesão ao tratamento é o fator mais importante para o controle efetivo de muitas doenças, ainda mais quando se trata de um paciente portador de uma doença crônica, que deve receber tratamento constante. “Muitos pacientes interrompem ou diminuem o tratamento de longo prazo de sua doença à medida que essa é controlada ou quando percebem uma melhora da doença. Também há uma dificuldade quando se trata de doenças assintomáticas, como a hipertensão arterial em seu estágio inicial. Outro fator dificultador é o de múltiplas exigências, como tratamentos que combinam um número variados de medicamentos ou que produzem efeitos adversos”, comenta.
Para ele, a relação humanizada durante uma consulta farmacêutica proporcionará ao paciente uma percepção correta de seu estado de saúde e a importância do tratamento. “O farmacêutico, com sensibilidade e conquistando a confiança do paciente, vai auxiliar este a compreender a importância de seguir corretamente o tratamento necessário, bem como na adoção de hábitos de vida saudáveis com o intuito de promover o controle e a prevenção de agravos de sua doença”, diz.
Esse novo cenário da farmácia, sendo vista não como um ponto comercial, mas, sim, como um estabelecimento de saúde, está certamente mudando o perfil do farmacêutico. Mas para o presidente do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP), Pedro Menegasso, isso não é de agora.
“Desde 2002, as Diretrizes Curriculares para o Curso de Farmácia, instituídas pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), já preconizavam um perfil que incluía a atuação do farmacêutico nos diversos níveis de atenção à saúde, desenvolvendo Atenção Farmacêutica individual e coletiva. Percebemos que os cursos de graduação de farmácia buscam formar farmacêuticos aptos a atuar diretamente e clinicamente com os pacientes. Além disso, se olharmos para outros ramos de atividade, como, por exemplo, a farmácia hospitalar, podemos verificar um amplo crescimento de farmacêuticos atuando clinicamente”, comenta Menegasso.
Segundo ele, a partir do momento em que o estabelecimento se propõe a ser um prestador de serviços em saúde, a relação com o cliente se estenderá ao uso correto de seus produtos e ao sucesso do tratamento proposto. “Uma das premissas para o sucesso do tratamento é a adesão do paciente. Tecnicamente, para atingir o sucesso do tratamento, é necessário assegurar o que chamamos de `otimização dos processos da farmacoterapia`, esta otimização inclui a melhor seleção da terapêutica, a administração correta dos medicamentos e a adesão aos medicamentos pelo usuário”, diz.
Menegasso acrescenta que diversos estudos controlados, testando o impacto do cuidado farmacêutico, já foram realizados no Brasil. “A evidência mostra benefícios desses serviços para a adesão ao tratamento, para a satisfação dos usuários e para os resultados do uso dos medicamentos em diversos grupos de usuários. A maioria desses estudos foi realizada em ambiente ambulatorial ou em farmácias comunitárias”, conta.
Fonte: Guia da Farmácia