Cenário é grave e microcefalia pode se espalhar pelo país

23 de novembro de 2015

À frente das investigações no Ministério da Saúde sobre o aumento de casos no Nordeste de recém-nascidos com microcefalia – malformação do crânio que pode levar a sequelas-, o diretor de Vigilância de Doenças Transmissíveis, Cláudio Maierovitch, afirma que “o cenário pode ser pior do que se imagina”.

Para ele, a tendência é que o surto se espalhe pelo país caso se comprove a relação com o zika vírus, transmitido pelo mosquito da dengue.

À Folha, Maierovitch diz que está em discussão o acompanhamento de gestantes com sintomas de zika. Segundo o governo, o vírus circula em 14 Estados – mas não há dados de quantas pessoas foram infectadas.

Folha – Em três meses, já são 400 casos de microcefalia. Como você avalia esse avanço?

Cláudio Maierovitch – Estamos bastante preocupados porque em Pernambuco já podemos caracterizar uma epidemia e em outros Estados do Nordeste há uma tendência ascendente. É muito preocupante, porque parece algo que não atingiu o auge.

Deve afetar outros Estados?

A epidemiologia é péssima para fazer previsões, mas temos uma infestação grande do mosquito no Brasil inteiro. Vimos que a velocidade de infestação do zika é muito rápida. Não imaginamos que o vírus vai parar depois de ter circulado tão intensamente. Ele se alastra com facilidade, assim como dengue.

Zika é a principal hipótese? Quais outras são investigadas?

Ainda não é certo, mas é a mais forte. Há outras possíveis: relação com medicamentos, substâncias tóxicas e vários tipos de infecção. Essas causas, porém, teriam comportamento diferente. Se fosse transmitida por alimentos e água contaminada, não se alastraria tão rapidamente. Isso faz pensar em doenças transmitidas por vetores como mosquito. Também temos a coincidência temporal de zika no primeiro semestre e microcefalia no segundo. Ocorreram nas mesmas pessoas. Foi identificado o vírus no líquido amniótico de duas gestantes com bebês com microcefalia. Os eventos têm chance alta de estarem relacionados.

Em junho, o governo decidiu que não havia necessidade de notificação de casos de zika. Foi uma decisão precipitada?

Optamos por um modelo de vigilância sentinela que deixa de informar todos os casos -medida adotada quando a contagem total é tida como pouco importante. Isso tem vantagens e desvantagens. Uma das razões por optar por esse modelo é que, como uma doença nova, não havia técnicas disseminadas para diagnóstico. Mesmo que tivéssemos informação do número de casos, não ajudaria. Temos informações para prever possíveis casos.

O Ministério da Saúde pretende mudar a forma de lidar com os registros de zika?

No mínimo vamos mudar a comunicação de risco à população. Quando começamos a registrar o vírus, a informação que tínhamos era de uma doença branda, com complicações autolimitadas como manchas no corpo. Mais tarde tivemos informação de que complicações neurológicas como a síndrome de Guillain-Barré podiam não ser tão raras quanto o observado em epidemias anteriores. Agora vemos, caso se confirme a hipótese, situações graves relacionadas ao zika. Isso leva a uma postura diferente.

Há alguma ação prevista?

Estamos rediscutindo as campanhas de informação. Temos expectativa de que a população fique mais sensível às informações para combater o mosquito Aedes aegypti, que transmite zika.

Alguns Estados farão notificação obrigatória de gestantes com sintomas de zika. O governo pode adotar a mesma medida nacionalmente?

A prioridade é estabelecer a causa da doença. Mas está em discussão um projeto que acompanharia gestantes com exames seriados, para estabelecer o vínculo com o zika e enxergar a evolução da doença. Teremos uma reunião na semana que vem.

Quando teremos confirmação da causa?

Estimamos analisar as investigações em até um mês. Estados já investigam cinco mortes de bebês com microcefalia. Por enquanto o ministério ainda trabalha com informação de uma única morte. Mas é claro que o cenário pode se tornar mais grave do que a gente imagina.

Acha que é possível contornar o avanço dos casos?

Qualquer coisa que tenha acontecido numa gravidez que está em curso já aconteceu. Não é possível fazer nada para impedir o desfecho. Vamos discutir estratégias para intensificar a prevenção de possíveis causas.

Fonte: Folha de S.Paulo (Natália Cancian)

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