Você já deve ter ouvido falar que mulheres grávidas portadoras do HIV, ao fazerem o tratamento antirretroviral com o coquetel anti-HIV, não transmitem o vírus ao seu bebê.
Isso acontece porque o tratamento, colocado em prática desde 1996, reduz a carga viral da mãe a um nível baixíssimo, evitando a contaminação conhecida como Transmissão Vertical, ou seja, a transmissão de gestante para o filho ainda dentro do útero.
Pessoas que sofrem violência sexual, profissionais da saúde que acidentalmente entram em contato com agulhas contaminadas ou até quem acaba transando sem camisinha (ou aconteça de ela estourar), também podem se submeter a um tratamento conhecido como PEP, Profilaxia Pós-Exposição ao vírus, ou seja, depois que o paciente já foi exposto ao risco do contato com o HIV em até 72 horas após o contágio.
Estudos realizados pela Universidade de Washington e do Fred Hutchinson Cancer Research Center, em Seattle, mostraram que o risco de contaminação pelo vírus é reduzido em até 92%.
Para todos os casos acima, o governo brasileiro, via SUS (Sistema Único de Saúde), oferece um tratamento gratuito a toda a população brasileira; afinal, ele é obrigado a isso. A lei estabelece que “A saúde é direito de todos e é dever do Estado garantir acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. (…) E o SUS, entre outras diretrizes, tem o dever de propiciar o atendimento integral, conforme prevê o artigo 198, inciso II da Constituição Federal”.
Sabendo disso, vamos falar sobre o Truvada? Recentemente, esse medicamento vem chamando a atenção da medicina e da área científica.
Ele é composto por duas drogas já usadas separadamente desde 2004 nos coquetéis anti-HIV, a Emtricitabina e a Tenofovir Disoproxi.
Descobriu-se em 2012 que, juntas numa única dose de pílula azul, elas podem evitar o que antes era usado apenas para tratar/remediar. Um estudo publicado pela revista “Science Translational Medicine”, que pertence à maior sociedade científica do mundo, a Associação Americana para o Avanço da Ciência, revelou que o Truvada é eficaz tanto na Profilaxia Pré-Exposição quanto na Pós-Exposição.
Se esse remédio fosse uma pessoa, poderia se apresentar da seguinte maneira para você: “Tô longe de ser a cura para a AIDS, mas posso evitar o contágio pelo HIV durante a transa, mesmo que o seu parceiro sexual seja portador do vírus. Aliás, se o soropositivo for você, o HIV provavelmente não será transmitido para o seu parceiro soronegativo?”.
Ainda segundo o estudo, ingerir dois comprimidos de Truvada por semana reduz os riscos de transmissão e contaminação em 76%. Já quatro pílulas semanais garantem 96% de proteção, enquanto sete pílulas semanais, uma por dia, reduzem o risco em até 99%.
Após essa conclusão, a agência sanitária norte-americana FDA (FoodDrug Administration) aprovou e liberou o seu uso como forma preventiva. Inclusive, a OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda efetivamente o uso do Truvada por pessoas que se enquadram em grupos de alto risco, como gays, dependentes químicos que usam drogas injetáveis, garotos(as) de programa ou quem tenha um relacionamento sorodiscordante, que é o caso de casais em que um é soropositivo e o outro, negativo.
Depois desses argumentos, a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) registrou o medicamento no Brasil, mas ele ainda não é produzido ou comercializado aqui no país. O governo, via SUS, não oferece o Truvada gratuitamente à população. Ao acessar a página que fala sobre essa negativa em relação ao medicamento, você encontrará a resposta abaixo:
(…)
8- Já estão disponíveis no SUS medidas comprovadamente mais eficazes para o controle da epidemia, que incluem a promoção do uso consistente de preservativo e de antirretrovirais para as pessoas vivendo com HIV/aids, com eficácia acima de 98% e 96% respectivamente.
9- Assim, a política de prevenção às DST, aids e hepatites virais adotada no Brasil prioriza o estímulo às práticas sexuais seguras, incluindo o uso consistente de preservativos, a Profilaxia Pós-Exposição sexual ao HIV (PEP sexual) em casos específicos e a disponibilização de terapia antirretroviral para PVHA (pessoas vivendo com Aids). Essa política tem como objetivos melhorar a qualidade de vida, evitar a progressão de doenças e reduzir o risco de transmissão do HIV por meio da supressão da replicação viral”.
Quem quiser ter acesso ao Truvada, vai ter de desembolsar uma quantia média de R$ 2 mil por mês para importá-lo. Ou processar judicialmente o governo para obrigar o SUS a oferecer esse tratamento preventivo gratuitamente, já que a lei assegura esse direito a qualquer cidadão.
E, pesquisando, descobri que isso já está sendo colocado em prática. Esse é o caso de D, que mora em São Paulo e prefere manter o seu nome e do seu parceiro em sigilo.
“Eu me considero casado, pois moro junto com o meu companheiro há mais de seis anos; portanto, temos uma união estável. Ele é soropositivo e eu, negativo.
Durante as nossas relações sexuais, sempre usávamos camisinha, mas o medo de ela estourar sempre nos deixava apreensivos. Foi aí que o meu médico me receitou o Truvada.
Li muito a respeito e concluí que essa seria a melhor solução para a minha relação, conhecida como sorodiscordante.
Mas, em vez de comprá-lo, sabendo dos meus direitos, resolvi processar o governo para adquiri-lo gratuitamente via SUS.
Eu perdi a primeira instância do julgamento, pois o juiz alegou que eu poderia usar camisinha ou recorrer ao SUS para me tratar caso eu adquirisse o vírus.
Mas o meu advogado entrou com uma jurisprudência contra essa decisão, e a desembargadora do caso me deu a vitória, alegando que `… a saúde do soropositivo precisa ser mantida, assim como a saúde do seu cônjuge.
Não proteger a esse segundo seria tão omisso quanto não proteger o primeiro.
Então, se o remédio pode proteger a saúde do segundo, que está em risco de forma inquestionável, o Estado tem de prover o remédio`.
Após essa sentença tão precisa, o governo não quis recorrer ao Supremo Tribunal da Justiça e a minha causa foi ganha. Faz mais de 6 meses que recebo gratuitamente o Truvada via SUS. Agora, apesar de continuarmos usando a camisinha, vivemos muito mais tranquilos, pois me sinto intensamente mais protegido.”
Segundo os médicos, quase todos os tratamentos antirretrovirais existentes no mercado podem causar nos pacientes enjoos, dor de cabeça, cansaço, diarréia, problemas gástricos, manchas na pele, insônia, má distribuição da gordura corporal (o rosto costuma ficar mais seco, enquanto acumula-se gordura na região abdominal) e aumento nas taxas de colesterol e triglicerídeos, o que pode levar ao risco de doenças no coração.
Logo, engana-se quem achar que alguém em sã consciência possa deixar de usar camisinha durante o sexo, adquirir o vírus e começar a fazer algum tratamento antirretroviral de propósito.
Vale lembrar que os efeitos do uso contínuo do Truvada no organismo humano ainda são desconhecidos; por isso, os testes e as pesquisas ainda continuam em relação a isso.
Aliás, se alguém é homossexual, travesti ou transexual, é possível participar de um estudo promovido pelo laboratório de pesquisa clínica em DST e HIV/AIDS da Fiocruz. Em breve, ele vai escolher 500 pessoas, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, que receberão uma pílula de Truvada por dia, além de acompanhamento médico e psicológico. No site PreP Brasil, você encontra as seguintes informações sobre o procedimento:
“O estudo PrEP Brasil vai avaliar a aceitação, a viabilidade e a melhor forma de oferecer a profilaxia pré-exposição ao HIV (PrEP) à população brasileira como prevenção ao vírus. (…) Exames laboratoriais também serão realizados para detectar eventuais efeitos colaterais. Testes que detectam material genético do HIV serão utilizados para identificar precocemente a infecção pelo HIV. Preservativos e lubrificantes serão sempre fornecidos e o uso deles, fortemente incentivado”.
Fonte: Folha de S.Paulo / Site